21 outubro, 2012

Sandices Morbidas







Vou repetir: “A morte é o único evento absolutamente inevitável e que alcança a totalidade dos seres vivos, mas nós não temos familiaridade com ela, procuramos certa distância dela como se fôssemos eternos”. Na verdade, a morte nos acompanha desde o momento exato da concepção, iniciamos o processo de moriência quando passamos a viver, e a morte passa, literalmente, a nos acompanhar durante nossa existência.
 Mas, parece que o Homo sapiens faz questão de viver como se ela não existisse.
Algumas culturas antigas como os egípcios do tempo dos Faraós, queriam “burlar” a morte por meio de rituais e processos de conservação corporal, obviamente sem perceberem que a ceifadeira é irrefragável.
 O mistério da falência corporal decorrente de doenças, acidentes ou velhice, que resulta na morte, era e é incompreensível para a maioria da humanidade. Esse mistério resultou na criação das religiões.
Já que deixávamos de viver na Terra, “tinha” que haver alguma compensação na forma de vida depois da morte, seja em algum lugar edênico onde os bons serão compensados pelas suas ações, ou até num ambiente de punição por imperfeições cometidas em vida.
 Mais uma vez a ignorância acerca do fenômeno mais natural da existência era usada para criar explicações e soluções.
Contudo, por mais intrigante que fosse, a morte sempre cercou o homem, os primitivos sabiam que para se alimentar de animais precisam matá-los ou encontrá-los mortos; sabiam que os inimigos ou as feras podiam causar-lhes a morte; então, apesar de não compreendê-la e de temê-la mais do que qualquer coisa, os homens conviviam com ela e sabiam que, muitas vezes, era a razão de continuarem vivendo. Uns morriam para outros sobreviverem, uma verdade bem cedo descoberta.
Mais ainda, devido ao modus vivendi humano, que em suas aglomerações uns entravam em conflito com outros por disputa de fontes de alimentos, ou por razões de colisão de interesses vitais, o homem acabou inventando as brigas, rixas, batalhas, recontros e guerras nas quais venciam aqueles que matassem seus oponentes.
 A morte de outros significava a vida de uns e continuidade de suas comunidades e culturas. A guerra tornou a morte um meio de se chegar a um fim, mas sempre envolta na aura do ignoto.
Veio a civilização e explosão demográfica que tornou todos os cantos do Planeta habitados e a morte continuou ceifando vidas cada vez com mais intensidade, pestes, epidemias e guerras tinham mais material humano para apresentarem serviço, os números de óbitos se contavam aos milhões, enquanto nos primórdios havia sido em centenas ou milhares. A palavra genocídio ganhou dimensão absurdamente grande e trágica na primeira metade da década de quarenta do século passado, por delírios racistas de Hitler.
Mas, na mesma medida que os meios causadores de morte evoluíam a ciência tentava agora reverter o quadro, descobrindo ou inventando modos e medicamentos que adiassem o fim inevitável. Se mais gente morria de acidentes e guerras, mais gente sarava de doenças antes letais, graças aos avanços da ciência em especial a ciência médica.
Ao tempo que se encarava a morte como inevitável mas, em certos casos, passível de ser adiada, sandices foram desenvolvidas em torno da possibilidade de vida eterna, ou algo próximo disso.
 Essa tal existência perene não se referia, como as religiões apregoavam, a uma vida eterna da alma, mas sim a possibilidade de que o corpo pudesse viver producente por centenas de anos, dentro de certas condições. Por enquanto, besteira pura.
Contudo, especula-se que dado o avanço da cibernética, será possível dentro de uns dois ou três séculos, “casar” mecanismos mecatrônicos com cérebros humanos criando ciborgues virtualmente eternos. Considerando que um sonho louco como esse dependa apenas de desenvolvimentos tecnológicos que já se veem no horizonte e que trezentos anos seja tempo suficiente para se chegar a coisas inimagináveis por enquanto, essa futurologia não é de todo descartável.
Por outro lado, retrocedendo ao tempo dos Faraós que queriam seus corpos conservados para ressuscitarem algum dia, a ciência moderna inventou a criogenia que é a técnica de manter organismos ou partes deles em congelamento sem prazo de validade para ressuscitá-los um dia.
 Essa técnica já é empregada com sucesso em embriões: óvulos fecundados podem permanecer em congeladores especiais por anos com grandes chances de sobreviver a um descongelamento sob controle num futuro não muito distante – calcula-se que cerca de sessenta por cento deles consegue manter-se em condições de originar um bebê. Por esse motivo, existe muita gente que acredita na possibilidade de seres humanos inteiros possam ser congelados e, num futuro distante descongelados aptos a viverem normalmente. Essa estranha esperança deu azo à criação de uma indústria de criogenia que congela corpos ou cabeças de quem tenha duzentos mil dólares disponíveis e queira apostar essa grana contra a morte. Pelo que se sabe, até o momento mais de cem pessoas colocaram suas fichas nesse jogo de regras incertas e término ignorado.
A técnica é a seguinte: imediatamente após a morte do candidato a vida eterna, os médicos retiram seus fluidos corporais e os substituem por um líquido que não congela, depois o colocam num tanque de nitrogênio líquido mantido a -196 ºC, temperatura em que todo material orgânico não deteriora
. É aí que entra a aposta no ignoto. Supõe-se que daqui a uns cinco ou seis séculos, os cientistas descobrirão um jeito de combater a doença que causou a morte do candidato picolé e este será curado, descongelado e viverá normalmente. Futurologia da mais alta qualidade!
Contudo, afirma o físico americano Robert Ettinger um dos maiores divulgadores da criogenia:
 "Os próprios métodos usados para congelar uma pessoa podem causar danos às células que só poderiam ser reparadas por tecnologias que ainda não existem".
Por isso, a criogenia é uma aposta cega contra a morte com toda feição de ser um tiro na água, mas que tem um número de adeptos bem expressivo.
De qualquer forma, a morte não perdeu seu potencial de horror, mistério e porque não dizer de fascínio, ela nos alcançará em algum momento e será sempre mal vinda, não queremos morrer.

 JAIR, Floripa, 10/02/12.

http://jairclopes.blogspot.com.br/2012/02/sandices-morbidas.html